domingo, 1 de maio de 2011

ANO NOVO, VIDA NOVA (Parte final)

-         Gostaria que você pudesse vir comigo – comentou, ainda abraçada a ele.
-         Eu também. Mas demorou um bocado pra que as coisas se ajeitassem por aqui... Tão cedo não vai dar pra sair.
-         É. Eu também vou demorar um pouco a me acostumar longe de todos. Vou sentir falta do meu quarto, das minhas coisas... Mas, daqui a alguns meses vou estar adaptada. Tem tempo... Ainda mais que são quatro anos de curso e...
-         O quê?! – cortou Rogério. – Quatro anos? Não, Mel, assim não vou aguentar. Você acha que vou esperar todo esse tempo pra me casar com você?
-         Mas, Rogério, é essa a duração mínima do curso. Depois, tem a especialização...
-         Para o inferno com a especialização, curso e todo o mais. Case-se comigo, Mel, e esqueça essa história toda – irritou-se ele, alterando a voz.
-         Será que você não entende que estou procurando o melhor pra mim... Não vou me casar com “seu” ninguém sem antes ter uma profissão reconhecida. Nada vai me tirar esta ideia da cabeça – retrucou, aos berros, também.
-         Muito obrigado pela parte que me toca. Eu pensei que o melhor pra você fosse ficar ao meu lado, se casar comigo...
Cessaram a discussão neste ponto e tornaram a admitir um silêncio perturbador. Rogério retomou o fôlego, antes de continuar.
-         É a sua última palavra?
-         É... eu pensei que você fosse mais compreensivo e...
-         Corta, Melina. Chega! Eu te amo e esse casamento significava demais pra mim. Só que no prazo máximo de um ano. Nunca suportaria ter que esperar mais três... Não vou dizer mais nada pois sei que o desgraçado vestibular é mais importante. Não sei o que vou fazer sem você, de agora pra frente. Sem graça, é assim que tudo vai ser. Só mais coisa: nenhum outro “cara” vai te amar como eu. Nunca senti isto e nem nunca deixei você perceber, mas você vai ter provas do que estou dizendo. E talvez até desista deste maldito exame... – concluiu e saiu, desnorteado, deixando-a surpresa e preocupada com a próxima atitude que ele pudesse tomar.
Vagou pela cidade, onde o movimento era intenso. Numa praça, um verdadeiro carnaval antecipado, em comemoração ao novo ano que ia nascer. Sentou-se num banco afastado e ficou observando as estrelas que cintilavam tímidas por detrás de rastros de nuvens que a chuva poupara. Um turbilhão de pensamentos assolou sua mente, transformados em lágrimas que não caíam desde a infância. Mesmo assim, se sentia como um menino que perdera o doce. Pior: como um mendigo que perde o dinheiro mirrado da comida. Melina era sua vida, praticamente. Só ela o entendia, só ela não se importava com sua condição de homem rústico e sem cultura. O que ia ser dele, agora? Esqueceu emprego, família e o resto, pensando só numa decisão.
Na manhã seguinte, seu pai o encontrou embaixo da velha árvore do quintal, onde tinha feito um balanço para o filho menor. Pendurado, com a corda do brinquedo ao pescoço. No tronco, um bilhete com a máxima já tão antiga quanto a árvore: “Ano novo, vida nova”.

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