domingo, 24 de abril de 2011

ANO NOVO, VIDA NOVA (Parte 1)

Olhou novamente pela vidraça e chegou à conclusão de que não ia dar mesmo para sair com aquela chuvarada toda. Mas precisava ir, encontrar Melina de qualquer maneira. Tinha de esclarecer certos pontos com relação ao namoro, ou o que quer que se chamasse o relacionamento entre ambos. E depois, era trinta e um, véspera de ano novo. Menos por isso, mais pelas ideias que a garota estava tendo naqueles dias. A chuva amainou e isso fez com que ele se decidisse. O caso seria resolvido naquela noite mesmo.
-         Não vai jantar, Rogério? – indagou a mãe, preocupada.
-         Vou pra casa da Melina, mãe. Talvez jante lá... senão, como alguma coisa na rua – avisou, sem deixar o ar sério.
Pelo caminho, presenciou vestígios da força da chuva. “Dezembro é assim mesmo” – dizia o pai, que fora sitiante, mas perdera tudo com a inundação da usina hidrelétrica. Chuva na cidade, para ele era diferente. Sentia saudade das gotas no telhado, que ajudavam a pegar no sono. Recordava o alívio que dava, a danada caindo, depois de meses de seca na região onde morara. A Usina os obrigou a se deslocar para a cidade, mas o pai sempre reclamava, lembrando o sacrifício que a indenização não pagara. Apesar disso, morar na cidade tinha muitas vantagens e a família já se colocara, se acostumando aos poucos com a nova vida. Ele até já arrumara namorada e pensava em casar logo. Melina era meiga, compreensiva e inteligente. Talvez por ser inteligente, por ter estudado, é que surgiam aquelas questões entre os dois. Rogério precisava dialogar muito, às vezes, para entender certas ideias da moça. Não era culto como ela, mas nunca caíra no radicalismo.
-         Você parece preocupado... O que aconteceu? – quis saber, depois que o rapaz chegou.
-         Eu estou meio chateado... Você vai me deixar, não é assim?
-         Que ideia, Rogério! O que te faz pensar assim?
-         São estas ideias suas de querer estudar mais. Eu sei que pra isso você vai ter que sair da cidade... Não queria te perder – falou, sempre com aquele vinco na testa.
-         Olha pra mim... – pediu ela, depois de beijá-lo. – Não vai acontecer nada disso. Vou prestar vestibular, sim, mas não significa que vou te esquecer, me entenda.
-         É difícil, Mel – ele sempre a chamava assim. – Se você entrar na faculdade, sei que vai conhecer e se apaixonar por algum desses intelectuais metidos a poeta...
-         Como é que você tem tanta certeza? – inquiriu Melina, sorrindo, complacente.
-         Eu sei que as coisas mudam... Sua vida vai mudar também. Não estudei muito, mas entendo porque sei como são essas mudanças de  vida, de ambiente... Preferia que você não prestasse os exames, Mel... Faz isso por mim? Aliás, por nós, faz? – pediu, mostrando um lado que a moça não conhecia.
-         Calma, Rogério. Também não se trata de algo desesperador. Eu conversei com a sua prima e ela já me explicou como é a vida de estudante de universidade. Não se preocupe porque eu venho sempre que puder e nunca vou deixar de escrever... E depois, tem o telefone também, lembra? A Norinha não deixou o Pipo por causa da faculdade, deixou? – exemplificou, tentando tranquilizá-lo.
-         Não sei. Vai se saber o que acontece enquanto ela está lá e o Pipo por aqui... – retrucou, endurecendo o olhar.
-         Que é isso? Desconfiar de sua própria prima. Não tem tanto motivo esse seu estado de nervos – observou Melina, se alterando um pouco.
-         Me desculpe – falou, depois de um longo silêncio. – Acho que você tem razão... É que a separação está tão próxima e eu estimo demais você... Estou me sentindo assim.
Melina chegou mais perto e o beijou demoradamente.

(Na próxima semana, você vai ler o final deste meu conto. Aguarde. - César Pavezzi)

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