segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Para não perder o hábito, poesia...sempre poesia

                                                        NOSSA LÍNGUA

                                                           Língua linda
                                                           Língua viva
                                                           Língua lida
                                                           Língua livre
                                                           Língua vista
                                                           Língua livro
                                                           Língua pátria
                                                           Língua culta
                                                           Língua nossa
                                                           Língua mater
                                                           Língua solta
                                                           Língua bela
                                                           Língua dita
                                                           Bendita língua
                                                           Mal dita língua
                                                           Minha, tua língua...

(Homenagem do autor César Pavezzi a nossa mal escrita língua portuguesa)

domingo, 4 de dezembro de 2011

AS PIORES FORMAS DE DEFICIÊNCIA

'Deficiente' é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

'Louco'
é quem não procura ser feliz com o que possui.

'Cego'
é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

'Surdo'
é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.

'Mudo'
 é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

'Paralítico'
é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.

'Diabético'
é quem não consegue ser doce. 

'Anão'
é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

'Miseráveis' são todos que não conseguem falar com Deus.

(a autoria(?) desse texto é atribuída a Mário Quintana, enviado por e-mail)

domingo, 27 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena oitava)

CENA 8:- Rapaz pedindo informações a um guarda, na rua:

Felipe:- Por favor, seu guarda, onde posso encontrar uma livraria aqui perto?
Santos, o guarda:- Livraria?! (quase rindo) Você não é daqui não, garoto?!
Felipe:- Não...Vim visitar uns parentes e resolvi sair pra comprar uns livros.
Santos:- Livros? Sei... Que tipo de livros?
Felipe:- Romances de aventura, de ficção científica, de ação. Por quê? Qual é o problema? Essa cidade não tem livrarias?
Santos:- Tinha... Faz muito tempo que ninguém, ou quase ninguém se interessa por esse hábito, quero dizer, vício...
Felipe (admiradíssimo):- Como é que é?! Vocês não lêem mais, não tem acesso a romances, a literatura em geral?!
Santos (complacente):- É, filho. Aqui não se pode mais estimular essa questão... É que tivemos problemas com muitos viciados, alguns se tornaram crônicos... Agora, quando se encontra algum local de venda de livros, o lugar é fechado e o material apreendido!
Felipe:- Nossa... E as pessoas não se revoltam não? Não fazem leituras às escondidas?
Santos:- Ih! ‘Tá perguntando demais...Parece até que você ‘tá querendo descobrir se consegue esses tais romances no mercado paralelo...
Felipe:- Quer saber: é uma boa idéia... Vou procurar por aí.
Santos:- Se fosse você, teria cuidado. Ontem mesmo as autoridades estouraram um depósito desses, que funcionava clandestino, aqui perto. E as pessoas que estavam negociando no local, foram consideradas viciadas crônicas...
Felipe (encerrando a conversa):- Pode deixar. E o senhor? Nunca leu não?... Pois devia! (E sai, enquanto o guarda apalpa um pequeno volume no bolso da calça.)

(In Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena sétima)

CENA 7: Duas amigas se encontram , depois de muitos anos:

Júlia (após beijarem-se, entusiasmada):- Como vai?! Há quanto tempo...
Sara (alegre, mas reticente):- Bem...Nossa, acho que já vão três anos ou mais...
Júlia:- É verdade. E aí? Casou? Tem filhos? Me lembro do namoro com seu colega de faculdade do último ano.
Sara:- Não. Terminamos... (expressão meio triste) Ou melhor, ele me deixou.
Júlia: Sério? Que chato... Comigo também aconteceu: meu marido arrumou outra e foi embora...
Sara:- Sinto muito. E por que ele te deixou? Algum problema no casamento?
Júlia:- Na relação propriamente dita, nunca houve nada... É que ele me pegou várias vezes... Lendo romances...
Sara:- Não brinca?! Pois saiba que o Miguel me deixou pelo mesmo motivo...
Júlia:- Pois é... Meu ex-marido armou a maior discussão, dizendo que eu já estava crônica...Falou um monte... Depois disse que não podia confiar numa pessoa que consumia Garcia Márquez e Jorge Luis Borges às escondidas. Que eu já era bem madura pra saber que precisava de ajuda...
Sara (espantada e solidária):- O meu ex-namorado já foi um tanto contraditório: disse que eu ia acabar me tornando crônica quando achou um exemplar do Dostoiévsky entre minhas apostilas do curso. Achei que ele fosse compreender, pois fiquei sabendo que estava lendo “O Pequeno Príncipe” novamente...
Júlia:- É, é uma hipocrisia só... Todo mundo que tem interesse e curte alguma história dessas, se acha viciado moderado. Ninguém quer se conscientizar e só sabem criticar as pessoas que acham que estão em estado crônico...
Sara:- Quer saber? Não vamos ligar pra isso, não... Falemos de leitura e essa delícia de hábito, quer dizer, vício.  (e saem, conversando, sorridentes)

(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

domingo, 6 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena sexta)

CENA 6:- Candidato e gerente de recursos humanos numa entrevista:

Sr. Mattos, o gerente (sempre sério e desconfiado):- Já vi pela sua ficha que o senhor teve problemas e ficou sem trabalhar durante um bom tempo...
Sérgio, o candidato (num tom humilde, porém firme):- Sim, problemas de ordem emocional... Mas já passei por terapias alternativas e de apoio, fique tranqüilo.
Sr. Mattos:- Sim, pelo que pude ler sobre seus dados, o senhor tem uma boa formação, graduado, trabalhou em lugares importantes, mas foi demitido por várias vezes... Gostaria de saber se essas demissões foram influenciadas pelo seu... Pelo que chama de problema emocional...
Sérgio (cauteloso, mas insistente):- Mais ou menos. É que meus patrões eram muito incompreensivos e não souberam como tratar certas questões...
Sr. Mattos (sempre desconfiado):- O senhor desenvolveu hábitos que não estavam de acordo com as políticas das empresas, não é isso?
Sérgio:- Digamos que sim...
Sr. Mattos (desafiador):- E como posso confiar que esses “comportamentos” não vão se repetir aqui, na nossa empresa?!
Sérgio (voz beirando a súplica):- É, parece que por causa de hábitos anteriores, o senhor quer me tirar qualquer esperança de trabalho...
Sr. Mattos:- Calma. Acho que não é hoje que vamos chegar a uma resposta definitiva sobre suas pretensões...
Sérgio:- O que tem de mal em gostar de literatura brasileira?!
Sr. Mattos:- Nem sei responder essa questão. Mas tem um grande empecilho aqui, naquilo que o senhor tanto quer... O senhor é...digamos...culto demais, entende?
(O gerente se vira e sai, deixando Sérgio com cara de desalento).


(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

sábado, 29 de outubro de 2011

OS VICIADOS (Cena quinta)

CENA 5:- Dois estudantes conversam, enquanto um deles mexe no celular:

Jairo (mexendo no celular):- Que é que te preocupa, cara?
Moacir:- Estou me achando muito estranho... Estou lendo...
Jairo (cortando a fala, sério):- Você o quê? Cara, não vai me dizer que você teve uma recaída?! (continuando a mexer no celular).
Moacir (triste e pensativo):- É...Não foi muito profunda, mas estou me sentindo interessado por poesia... Livros de poemas...
Jairo:- Você deve ter pirado... Vou fingir que não escutei. Quem mais sabe disso? (segue usando os botões do celular).
Moacir:- Ninguém... Tenho lido escondido. Consegui um exemplar do Vinicius de Moraes e outro do Fernando Pessoa.
Jairo (espantado, mas ainda teclando no celular):- Espera aí: se você está viciado nos livros desses caras, você ainda quer enganar que não é profundo?!
Moacir:- Sei lá... Queria que você me ajudasse a compreender, me apoiasse de algum jeito...
Jairo:- Apoiar? Você ‘tá louco? Você tem que se esforçar pra sair dessa... Cara, cadê o seu celular? Cadê os jogos que você curtia? Cadê aquele cara tarado por esporte? Faz alguma coisa pra sair desse vício, meu! (e volta a mexer no celular).
Moacir:- Promete que não vai contar nada pros meus pais?
Jairo:- Se você prometer que vai se tratar, não... E outra, já pensou se meus amigos soubessem que meu melhor amigo anda metido com poesia? Ainda mais poesia... Coisa que afrouxa os sentimentos e outras coisas aí? (e gesticula ridiculamente, enquanto sai de cena).
Moacir (com ar desconsolado):- Amigos... Deve ser porque o livro não tem botão pra apertar... Deve ser... ( e vai embora lentamente e de cabeça baixa).

(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

domingo, 23 de outubro de 2011

OS VICIADOS (Cena quarta)

CENA 4: Uma universitária, na biblioteca, conversa com a funcionária:

Marisa (entediada e sarcástica):- Quer dizer que aqui é uma biblioteca e vocês não têm livros?!
Olívia, a funcionária (séria e irônica):- Não, meu bem, você está equivocada. Temos todo o acervo técnico e científico que você precisar, incluindo periódicos informativos e de interesse acadêmico, menos livros de literatura nacional e internacional... Esses últimos são os causadores do vício que a nossa sociedade precisa erradicar... Pelas questões que vêm provocando ao longo dos tempos...
Marisa:- Minha senhora, pois se é justamente desses que eu preciso para minha pesquisa... Ao menos alguns exemplares de romances brasileiros arquivados esse lugar deve ter ?!
Olívia (enfática):- Senhorita, sinto muito, lamento profundamente, mas não vamos poder ajudá-la em suas pesquisas, porque esse material só existe em arquivos secretos ou no mercado paralelo... Além disso, muitos estudantes que pareciam bem intencionados, como a senhorita, cometeram desvarios com esses materiais, no passado...
Marisa:- Sei... Que espécie de desvarios?! Por acaso eles...leram atenta e cuidadosamente esses romances? Se assim fizeram, era justo que assimilassem alguns significados importantes das obras, não acha?
Olívia:- Talvez...Mas as conseqüências foram desastrosas...Muitos caíram no vício e tiveram que receber tratamentos especiais. E de nossa parte, concluímos que o que eles queriam, em realidade, era se viciar por completo.
Marisa:- Já vi que vocês não confiam em pessoas sérias mesmo. Eu só queria alguns volumes de Shakespeare e Gil Vicente para... pesquisar. Até nunca! (e sai, enquanto Olívia mostra uma careta de desconfiança).

(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi).

domingo, 16 de outubro de 2011

OS VICIADOS (Cena terceira)

CENA 3: Marido chega do trabalho e conversa com esposa:


Patrícia (receptiva e atenciosa):- Oi, amor. Ih, que cara é essa?

Maurício (sério e com ar cansado):- Oi... Levei uma chamada do patrão e uma advertência no trabalho... Hoje não é o meu dia.

Patrícia:- Deixa eu adivinhar: o chefe te pegou... lendo, na hora do cafezinho. Acertei?

Maurício:- É, e o que tem isso demais? Fui adiantar mais um capítulo da história que comecei a ler, e ele disse que estava voltando ao vício e que eu precisava me tratar. Eu, me tratar? Pode um negócio desses?

Patrícia (compreensiva):- É, meu querido, mas você disse que não ia mexer com isso no local de trabalho... Tudo bem que se trata de Machado de Assis, mas creio que você anda exagerando...

Maurício:- Pois é, mas é que achei que não teria problema... E nem vou te garantir que vou parar... Sei que se quiser, eu paro, mas é preciso muita força de vontade pra abandonar esse hábito, digo, vício, assim, de uma hora pra outra.

Patrícia:- É, mas vê se você se controla, porque algumas autoridades estão de olho em certos comportamentos e já estão até divulgando classificações: uns são moderados, outros intensivos, e tem os crônicos, que dizem ser o pior grau de viciados.


Maurício:- Pode deixar. E cadê o Paulinho?

Patrícia:- Lá no quarto... Imagine, procurando nos livros técnicos de leis e estatutos onde está escrito que as bibliotecas em geral não podem mais manter os acervos de livros de literatura nacional e internacional...

Maurício:- Esse é o meu garoto... Sétima série e já com esse espírito leitor. (e saem para o quarto do garoto).


(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi).

domingo, 9 de outubro de 2011

OS VICIADOS (Cena segunda)

CENA 2: Dois namorados discutem, numa praça:

Michele (irritada e insistente):- Você prometeu, cara... Você disse que ia parar com isso...
Cássio (tentando acalmá-la, mas sério):- Foi só naquele dia, mina. Pô, será que    você não confia em mim... Não aconteceu de novo, eu juro.
Michele:- Como não? Eu sei que você foi visto hoje pelo seu primo com outro livro... Não tenta me enganar... E esse é pior do que o outro: um romance da Agatha Christie. O que você pretende?!
Cássio:- Qual é o problema? Foi só uma pequena recaída...
Michele:- Pequena?! De Stephen King pra essa autora... Você deve estar brincando. Eu ‘tô muito preocupada com você. E se seus pais descobrirem?
Cássio:- Não vão saber... Gata, fica tranqüila que isso não ‘tá me fazendo mal algum... Pelo menos, eu não sinto.
Michele:- Mas, e eu?! Você pensa que é fácil saber que você perde tempo com isso e não vai me visitar? E a vergonha, se uma de minhas amigas descobrirem que namoro um viciado?... E que nem quer se ajudar?...
Cássio (tentando abraçá-la):- Você tem que compreender... Eu preciso disso. Minha mente não pode passar sem isso, nem meu coração...
Michele (afastando-se, alterada):- Não compreendo... Eu não sou assim e nem vou querer um namorado desse jeito. Não posso confiar em alguém mais... mais... lido do que eu. (e sai, apressada).
Cássio (reflexivo):- Aposto que é só porque a autora é uma mulher...(e sai, pelo lado contrário).

(In: OS VICIADOS, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

sábado, 1 de outubro de 2011

OS VICIADOS (Cena primeira)

CENA 1: No Supermercado, duas donas-de-casa conversam:

Teresa (séria e confidente):- Vi-ci-a-do...
Helena (muito interessada):- Em quê? Bebida? Cigarros?
Teresa:- Pior... livros de literatura!
Helena (boquiaberta e espantada):- Nossa...Nem me fale...Ele também?
Teresa:- Também, também... Dizem que foi pego com um exemplar do  Drummond, aquele poeta, no meio dos materiais de escola. Você vê, um menino tão educado, tão centrado, ninguém nem desconfiava...
Helena:- Que desgosto pra uma família, não é mesmo? E agora, o que vão fazer por ele?
Teresa:- Ouvi dizer que vão mandá-lo pra um daqueles espaços em que usam terapias alternativas pra tentar a cura... Sabe: mais horas de televisão, mais jogos de computador, mais tempo no videogame, essas coisas...
Helena:- Que terrível esse vício, não? Mesmo com todas essas outras atividades, não dá pra confiar que uma hora alguém da família não acabe sendo dominado... Fora os que tem aquelas recaídas....
Teresa:- Vire essa boca... Meu cunhado teve a tal recaída... Apareceu em casa com um livro de contos do Guimarães Rosa... Foi um Deus nos acuda: justo o Guimarães Rosa...
Helena:- Pois é. Eu também tenho estudado várias informações sobre esse vício de leitura, até pra prevenir certas coisas lá em casa... Nunca se sabe...
Teresa:-  ‘Tà certíssima. A gente tem que cuidar bem do que é nosso, em especial a família. Agora, já vou indo... Tenho que buscar meu filho numa Lan-House. Até qualquer dia.
Helena:- Tchau, amiga. Até. Também tenho que pegar minha filha no shopping. (e se beijam, em despedida).

(In: OS VICIADOS, dramédia em quadros cotidianos), de César Pavezzi).

sábado, 24 de setembro de 2011

OS VICIADOS (Preâmbulo)

(A partir desta semana, o leitor interessado em teatro, vai poder conferir os quadros dessa dramédia, onde defendo a leitura de textos literários como hábito importante para todas as idades. Mais do que provocar sorrisos, gratificante é perceber que os textos possam influenciar mentes para uma reflexão séria, aguda...)

     É, os tempos mudaram muito. E com as mudanças, nunca se viu tão poucos leitores apaixonados por livros. Nunca aumentou tanto o desprezo por autores e obras, clássicos e modernos, poéticas e de narrativas.

       É assustador como nossa sociedade eletrônica e tecnológica se transformou em um carrossel de modismos, obsessões imagéticas e alienações rítmicas, menosprezando o exercício mental que a leitura literária pode proporcionar. Exercício esse que, por prescindir do também viciante “apertar de botões”, tem relegado grande parte da população jovem a um mundo de letargia e indolência cultural.

       O universo de livros de literatura em geral está se tornando mais isolado e distante do que as novas descobertas cósmicas realizadas por sondas espaciais. O desafio de enfrentar o mistério e a mágica, por detrás das palavras, não combina, ao que se constata, com aquele esmagador domínio das novidades tecnológicas e brinquedos virtuais. Um dia se acreditou que os livros podiam desaparecer, em função dessa realidade estarrecedora. Quase acertaram no prognóstico.

       De outro lado, o mundo dos que ainda acreditam na literatura como uma possibilidade catalisadora de ideais e reflexões sócio-existenciais, aos olhos de muitos alienados pode parecer uma forma arcaica de comportamento inteligente, ou ainda uma espécie de vício ou desvio, cujos desdobramentos devem ser sutilmente combatidos. É um combate, realmente, em que os “guerreiros” da palavra literária, que lutam pela formação e pela preservação desse hábito, não vão deixar a bandeira ser derrubada.

       E que os livros sobrevivam, porque, se como dizia um pensador: “Nós somos o que lemos”, é melhor muita gente começar a refletir sobre quem é e o que é...

(In: Os Viciados, de César Pavezzi.)

sábado, 17 de setembro de 2011

NUNCA SE ESQUEÇA DE DEUS

(Nesses tempos cada vez mais materialistas e consumistas, sempre é importante lembrar de nossa crença, até como imperativo de consolo para tantos absurdos cometidos por seres humanos nada humanos...)

1 - 'Deus não escolhe pessoas capacitadas, Ele capacita os
escolhidos.'

2 - 'Um com Deus é maioria.'

3 - 'Devemos orar sempre, não até Deus nos ouvir, mas até que
possamos ouvir a Deus.'

4- 'Nada está fora do alcance da oração, exceto o que está fora
da vontade de Deus.'
 
5- 'O mais importante não é encontrar a pessoa certa, e sim ser
a pessoa certa.'
 
6 - 'Moisés gastou: 40 anos pensando que era alguém; 40 anos aprendendo que não era ninguém e 40 anos descobrindo o que Deus pode fazer com um NINGUÉM.'
 
7 - 'A fé ri das impossibilidades.'

8 - 'Não confunda a vontade de DEUS, com a permissão de DEUS.’

9 - 'Não diga a DEUS que você tem um grande problema. Mas diga ao problema que você tem um grande DEUS.'


(texto recebido de um e-mail entre amigos)

sábado, 27 de agosto de 2011

O FIM DA ÚLTIMA DONZELA (Parte final)

          Quando acordei, não vi mais o ermitão. Tomei o rumo da aldeia que ele mencionara. Tinha que ver e falar com Francisco, meu filho. Será que tinham falado de mim para o garoto? Será que ele teve vontade de me conhecer? E essa de viver junto aos nativos daquela tribo? Como esse menino foi educado, como cresceu, que idéias teria do mundo? Muito para saber, e eu nem imaginava como Francisco me receberia. Cheguei ao local ainda envolvido nessas dúvidas todas, que faziam minha cabeça girar. Fui recebido com restrições, mas o chefe me indicou um monte rochoso ali perto, onde o garoto costumava subir junto com seu amigo, sobrinho do chefe, para conversarem e aprenderem sobre as coisas da Natureza e sobre os mistérios da vida na Terra. Ele me explicou que Francisco tinha se tornado um deles, adquirido seus hábitos e costumes, participando de rituais e respeitando a cultura simples da aldeia. Agradeci pelos esclarecimentos e pedi permissão para me encontrar com o menino, pois tinha muito que lhe falar. O chefe se limitou a fazer um sinal a seu sobrinho, que me levou até o topo da rocha, me deixando a sós com meu filho.
          Francisco falou de como foi difícil todo o tempo em que passou no vilarejo, vivendo com a avó, sem poder contar com a mãe, mesmo sabendo de toda a história. Sabia que eu era o homem banido por ter ajudado Blanca a colocá-lo no mundo, ainda que de forma renegada. E que sentia muito, mas não conseguia me ver como pai. Eu era estranho até aquele momento, e não fazia diferença se continuasse sendo. Sua sinceridade era contundente. Eu tentei argumentar, dizendo que podíamos recuperar o tempo perdido, se ele viesse comigo para a cidade grande. Havia uma casa confortável, mobiliada e aparelhada para satisfazer as necessidades de um jovem como ele, que seguramente precisava de mais instrução, de estudos e formação mais estruturada. Seu olhar sério e penetrante fez estacar os meus argumentos, e levou a mão de leve aos meus lábios, como que pedindo silêncio. Segundos que pareceram horas separaram nossa conversa, depois Francisco voltou a falar pausadamente. Falou de toda a beleza que descobrira naquela vida rústica, natural, cheia de saúde e descobertas emocionantes. Que não ia se sujeitar a viver com uma pessoa que nem sequer conhecia direito e que, de entrada, não sabia respeitar as suas escolhas. Ir para a cidade grande, para conviver com poluição, violência, vícios, vaidades, corrupção, falta de solidariedade e uma infinidade de exemplos errados? Como eu poderia saber o que era melhor para ele se o tempo todo em que precisou de bons exemplos, foi ali que ele os encontrou? Não, Francisco estava muito sereno ao me dizer tudo isso. E eu não podia fazer nada mais ali. Meu filho estava dando uma aula de sabedoria ao estranho que tinha a pretensão de vestir a máscara de seu pai, depois de tanto tempo. Havia algumas lágrimas em seus olhos, e o sobrinho do chefe percebeu a sua tristeza. Quis se aproximar, como se eu representasse alguma ameaça ao seu companheiro, mas meu garoto fez um gesto para que se contivesse. Depois se levantou, eu o imitei, e ele me abraçou, discretamente. Olhou mais uma vez, de uma forma séria, mas tranqüila, nos meus olhos e se despediu, como quem se despede de uma pessoa comum. Depois voltou a se sentar na rocha, com o amigo ao seu lado, os dois olhando algumas ovelhas que pastavam no pequeno vale lá embaixo. Não havia mais palavra a dizer. Comecei a caminhar de volta para a estrada que contornava o vilarejo, ainda com alguma esperança de que, um dia, eu não tivesse que voltar ali só para visitá-lo...


(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi)

domingo, 21 de agosto de 2011

O FIM DA ÚLTIMA DONZELA (Parte 2)

          O ermitão me tocou no ombro e me disse que a velha matriarca me esperava. Entrei na casa de decoração simples, mas muito bom gosto, e fui recebido por ela, na sala, postada de costas para mim. O sábio me fez um gesto para que calasse e apenas a ouvisse, pois a mesma não me achava digno de ser olhado no rosto.
          Contou que depois que fui banido, Blanca sofreu muito, ficou doente de saudade e quase morreu. Tinha algumas coisas sobre a constituição orgânica daquele corpo frágil e belo, que eu desconhecia, e que tornavam delicada a sua saúde. Depois de algumas semanas de quase completo alheamento, motivado seguramente pelas lembranças de todos os acontecimentos tristes decorrentes da minha presença no vilarejo, a abuela e o ermitão conseguiram fazer com que ela reagisse e passasse a se sentir motivada para continuar a sua vida. A notícia da chegada de uma criança causou euforia na comunidade inteira, mesmo sabendo-se que o fruto vinha de uma atitude renegada por todos naquele lugar. Havia muito tempo que todos esperavam o nascimento de uma criança, até como símbolo de prosperidade. Por isso o bebê de Blanca foi muito amado e criou-se uma expectativa enorme através daquela gestação.
          Nesse instante do relato, notei que a voz da mulher estava ligeiramente embargada, e por meu lado eu queria falar, gesticular, expressar todo o meu contentamento e meus questionamentos sobre tudo aquilo, sobre a mãe de meu filho, sobre ele próprio, mas o ermitão me segurou pelo braço e me fez um gesto para que silenciasse. A pausa revelou certo tremor por parte da velha abuela e, não fosse o fato de que ela permanecia de costas, eu juraria que chorava.
          Talvez por conta das circunstâncias em que foi gerada, a gravidez daquela criança não foi tranqüila. Blanca se sentia mal, com dores e incômodos freqüentes, o que a deixava fraca e debilitada, sendo cuidada constantemente pela abuela nas horas sofridas e nas noites mal dormidas. Nos últimos meses, com a aproximação do nascimento, Blanca melhorou consideravelmente e todos se animaram com a idéia de que o parto seria menos complicado do que a gestação. Mas o ermitão e a abuela já previam as conseqüências e, embora o menino fosse forte e saudável, a mãe acabou falecendo.
          A abuela, nesse ponto, fez uma nova pausa e desatou a desabafar todo o ódio que sentia por mim. Que Blanca era a única coisa boa que ela possuía nesse mundo, que foi como se arrancassem um pedaço dela, que eu era culpado por tudo aquilo, que se eu tivesse um mínimo de preocupação com a minha alma, deveria ir embora e deixá-la em paz, com a sua dor, com o seu sofrimento atroz e sem fim. O ermitão me puxou pelo braço e me levou dali, enquanto eu também chorava e procurava um lugar onde me apoiar, pois fraquejei fisicamente depois do impacto daquelas revelações. Blanca morta? Também de mim senti que cortava-se um membro, um órgão, uma parte... Morta? Por causa da gravidez que eu causei? Precisava me acalmar.
          Começou a cair uma chuva fina e eu pedi ao ermitão que me deixasse ali, no meio do caminho. Eu tinha que pensar, mas não conseguia. Sentei-me na beira da estrada, em cima de uma pedra, e deixei a chuva molhar o meu rosto, gotas se confundindo com as lágrimas grossas que rolavam. Fui tombando em direção a relva que havia em volta, meu rosto tocou o chão e eu continuava a tremer convulsivamente, desesperado. Após alguns momentos assim, senti uma mão que me pegava no braço e me ajudava a levantar. Era o ermitão, que me levou até sua casa, já tinha feito um chá de ervas bem forte, o que ajudou a me acalmar. Essa acolhida me deu esperança de que ele sabia onde estava meu filho e podia me revelar. O velho ficou calado durante todo o tempo em que tomávamos o chá. Ainda chovia e logo anoiteceu. Eu também assumi uma atitude reflexiva, mas com questionamentos avassaladores. Meu filho teria então quinze anos. Onde se encontrava? Com a abuela, certamente não. Vivendo com alguém da cidade?Talvez.
          Quando o dono da casa resolveu falar, sempre lacônico, contou que a matriarca não impediu que, aos doze anos, o garoto fosse embora de sua casa. Ele havia resolvido, depois de muitos passeios e muita convivência diária, que iria morar numa aldeia indígena, próxima ao vilarejo. Continuava a visitar a velha senhora, permanecendo forte e saudável, feliz com o estilo de vida que tinha escolhido. No final da conversa, depois de comermos uma refeição frugal, acho que o efeito dos chás me fez sentir um relaxamento profundo. Ou talvez isso se misturasse ao cansaço de todo aquele mistério desvendado durante esse dia. A noite foi de sono pesado e cheio de sonhos agitados.

(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi)

sábado, 13 de agosto de 2011

O FIM DA ÚLTIMA DONZELA (Parte 1)

          Na medida em que ia me aproximando do vilarejo, minha garganta sofreu ligeira tensão, enquanto um caleidoscópio de imagens e vozes movimentava-se frenético em minha mente. Desde a minha vontade de procurar um lugar tranqüilo, onde fosse reconhecido como mestre de ensino, há longos dezesseis anos passados, misturada com os desejos represados e depois extravasados por Blanca, até os momentos sofridos após o banimento. Quando me postei triste, mas resolutamente, na entrada principal do lugar, voltei ao presente e uma comoção tomou conta de mim. Tive receios mil, que aumentaram de intensidade quando a figura do alcaide veio se aproximando devagar, com certeza para me receber ou me expulsar novamente.
Aliviado fiquei quando ele disse que já sabia porque eu voltava, completando que seria melhor eu ir ter direto com a abuela. A conversa com ela não seria nada fácil, mas eu tinha o direito de saber, pelo menos saber, de coisas importantes que haviam ficado no passado, e que hoje ainda tinham repercussões na alma da velha senhora, e também no espírito da comunidade inteira. Não foi explícito, como que deixando no ar todo o mistério destes últimos três quinqüênios.
          Algumas pessoas nos olhavam pela rua com expressões de aversão e outras sem compreender a materialização de minha presença no vilarejo. Nem mesmo os outros líderes da comunidade, como o esculápio e o boticário, se deram ao trabalho de sair de seus afazeres para receberem os meus cumprimentos ou tentarem sondar, em meu rosto, algum sinal de arrependimento. Se é que essa atitude, já demonstrada no julgamento de mais de quinze anos atrás, mudava alguma coisa na sua maneira de reconsiderar a minha pessoa.
          Depois de atravessarmos toda a via principal, chegamos ao outro extremo do vilarejo. O alcaide, que nos últimos momentos havia guardado um silêncio exasperante, sugeriu que eu fosse falar com a abuela acompanhado do ermitão. Ele não podia mais fazer nada por mim, e completou secamente que tinha muitas obrigações para dar conta no seu trabalho. Despediu-se com um gesto vagaroso e me olhando profundamente nos olhos. Aquilo deixou claro para mim que eu era apenas um forasteiro de passagem e que faria um bem enorme a todos se fosse embora dali o mais rápido possível.
          A casa do ermitão ficava a algumas dezenas de metros do fim da rua, sendo facilmente reconhecida pelas flores que o mesmo cultivava em profusão por todo o jardim da entrada. Rústica, porém aconchegante, pude vê-lo na varanda, numa velha cadeira de balanço, olhos fechados, como se dormisse. Ao me aproximar, tive um rápido sobressalto ao ouvir a sua voz me cumprimentando, sem que ele saísse da sua posição de quase letargia. Respondi que precisava ver a abuela e que só ele podia me acompanhar. Levantou-se devagar, fitou-me com um meio sorriso e disse que já sabia que eu viria. Que tudo aquilo era extremamente previsível e até inevitável. Que existiam forças que estavam me instando emocionalmente há muito tempo para voltar, mas que eu resistia. Por medo ou por desconhecimento do chamado misterioso que latia dentro de mim. Eu ouvia seu discurso morno, em ritmo quase que de uma ladainha, como se ele já o tivesse preparado há muito tempo, e me espantava com a naturalidade com que meus sentimentos eram desvelados.
          Quando quis me manifestar para ter alguma idéia concreta daquilo que, segundo o sábio, já estava a minha espera, o mesmo limitou-se a fazer um gesto vago com as mãos e ficou calado durante todo o curto caminho que levava até a chácara da velha senhora. Entrou na frente, e eu fiquei aguardando na varanda, a observar um pequeno tanque cheio de plantas aquáticas, de onde saíam alguns patos e seus filhotes. Por um instante eu me esqueci de toda aquela expectativa angustiante e entrei num estado de prostração, estimulado pela contemplação daquela cena simples e cheia de força natural. A água gera a vida, assim como a natureza humana gera o amor. A lembrança de Blanca, nesse momento, voltou com toda a força de sua vitalidade fresca e natural. Onde será que ela estaria agora?

(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi)

sábado, 6 de agosto de 2011

A ÚLTIMA DONZELA (Parte final)

Depois de alguns dias da chegada do professor, que transformou a casa que ocupou numa pequena escola, a abuela foi visitá-lo. Era comum na aldeia oferecer os préstimos e mesmo algum alimento aos visitantes ou novos habitantes que ali se instalassem. O mestre agradeceu e os dois conversaram um pouco. Antes que a velha se fosse, a neta veio chamá-la. Curiosa, próprio da idade, Blanca fez um monte de indagações ao homem sobre o trabalho na escola e terminou decidindo que queria aprender coisas novas. Espantado e ao mesmo tempo encantado, ele se limitou a olhar para a avó que, séria, começou a sentir que algo ia se precipitar a partir daquele encontro.
                                               *     *     *
                   E Blanca, onde está?! Alguém porventura está preocupado com o que ela está sentindo?” pensava o professor, mãos no rosto, cabeça baixa. Se não era um julgamento, ao menos parecia. Havia um erro cometido? Havia, era certo. Se não, não estariam todos lá: o alcaide, o esculápio, o boticário, a abuela e outras mulheres da aldeia.
                   O esculápio sugeriu que consultassem o ermitão, pois se tratava de um falha moral. O boticário, alterado, berrava que tinham que enforcá-lo imediatamente. As mulheres ponderavam sobre o banimento daquele que, em termos de tradição, era um estranho. O alcaide tentava, sempre educado, organizar a discussão. O professor apenas olhava a todos, perplexo, imóvel e se questionando sobre o sentido de tudo aquilo. Nesse estado letárgico, conseguiu distinguir uma voz que pedia que ele contasse de novo o fato.
                   A lembrança do lago, o grande lago da aldeia, começou a desfilar devagar por sua mente, enquanto balbuciava as palavras, narrando os acontecimentos daquela tarde quente de primavera. Ele chegando para pescar e a visão súbita, através dos arbustos da margem. Blanca, descendo as alças do vestido claro, mostrando o corpo bronzeado, cabelos à brisa, antes de entrar na água. O professor, coração aos pulos, deixando cair o material de pesca, sem tirar os olhos daquela visão esplendorosa. É certo que ela havia estado já com roupas e maneiras bem provocantes na sua escola, mas se observasse isso para a assembléia, ninguém aceitaria. É certo também que as coisas novas que a menina dizia querer aprender estavam bem além dos conhecimentos e da sapiência do próprio ermitão, o conselheiro. Mas, com certeza, também não adiantaria de nada argumentar sobre isso. Recordou a maneira como ela percebeu a sua presença na beira do lago, e de como, apesar de ele querer  se retirar dali, a moça foi se aproximando de suas costas e o abraçou forte. O contato do corpo nu dela e o sangue latejando em seus ouvidos, os pequenos gemidos e um estertor de satisfação. E depois, nu, acordado pelo grupo de homens que estavam, agora, ali na sua frente.
                   O alcaide revelou que já havia consultado o ermitão. O velho conselheiro mostrou-se muito sério e apenas ordenou que não houvesse derramamento de sangue. E que eles decidissem da maneira mais humana sobre o que fazer com o professor. A abuela pedia justiça, pois há muito vinha pressentindo que o “réu” iria ferir um dos princípios vitais da aldeia: o respeito aos bons costumes. Sua neta era só uma criança e ele podia ser o pai dela, analisava. Algumas mulheres presentes achavam a atitude do ermitão muito ponderada e pouco prática, que a punição tinha que ser dura. O boticário, é evidente, tornou à carga com o enforcamento. Os ânimos começaram a esquentar, mas o esculápio propôs que o professor esperasse fora da casa, até que o grupo chegasse a uma conclusão.
                                               *     *     *
                   O mestre não pôde vê-la mais. Foi banido para sempre. O próprio alcaide dizia sentir muito por tudo aquilo, mas tinha de acompanhá-lo até a saída da aldeia. Quase enlouqueceu, pois tinha se tomado de amores pela virgem. Não adiantava voltar, não havia espaço para ele naquele lugar. Ele não fazia parte daquela comunidade, daquela comunhão de interesses. Não tinha dignidade suficiente, ainda que se arrependesse. Mesmo porque o malfeito estava consumado e não havia modo de desfazer. E essa dor que não passava, quem sabe com o tempo...
                   O professor sou eu, leitor. E Blanca ainda não passou. A memória é mais forte que o tempo. A memória pode mais que o tempo. E dói, e faz doer muito.

(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi.)

domingo, 31 de julho de 2011

A ÚLTIMA DONZELA (Parte 1)

                    Vou contar uma pequena história, passada num pequeno lugar. Era um vilarejo, que mais podia ser visto como uma aldeia. É, uma aldeia é mais apropriado. Poucas casas, pouca gente. Um povo humilde, plantando e trabalhando a terra para sobreviver. E se ajudando, pois não era muito fácil viver sem amigos naquele lugar.
                   A casa do alcaide era a própria prefeitura. E tinha o alcaide, velho justo e cheio de mesuras para com o povo. Um cavalheiro, ainda que se vestisse como um grosseiro lavrador.
                   E havia o ermitão, um sábio que vivia no bangalô mais antigo do vilarejo. De quem as más línguas do lugar falavam que a sapiência não passava de esperteza dele para ludibriar a gente humilde que o procurava. Ninguém conseguia afirmar ao certo qual a sua idade, mas sabiam que era um espírito lúcido. E muito forte. Era uma espécie de conselheiro moral.
                   O esculápio, homem magro e de maneiras circunspectas, demonstrava muita dedicação para com os doentes, que não eram muitos, mas, como dizia ele, antes poucos enfermos que muitos falecidos. Um indivíduo solitário, embora bastante considerado pelas pessoas da aldeia.
                   O boticário, dono da botica, fazia parte desse grupo de figuras singulares que lá residiam. Homem forte, ao contrário do esculápio, vivia rodeado de amigos, aos quais muito havia ajudado com a manipulação de fórmulas curativas, ungüentos e emplastros quase miraculosos.
                   Outra figura masculina, o professor, como ficou conhecido, chegou naquela aldeia muito tempo depois que a neta da matriarca mais velha havia nascido. Vestia-se esportivamente, com roupas de cores vivas e um boné onde se lia, bordada em azul, a palavra mestre. Quando entrou pela única viela do lugar, foi logo recebido pelo boticário, que  se apressou em levá-lo à presença do alcaide. Embora espantados com o modo de trajar-se do mestre, estavam de acordo que a passagem do homem pela aldeia traria novos conhecimentos e mais sapiência para aquela gente simples. E o professor foi ficando.
                  A matriarca, chamada abuela por todos do local, mudou completamente de estado de espírito, depois que aquele homem a conheceu. Uma pessoa muito alegre e ativa, era como a consideravam. E que, de repente, passou a viver, durante a maior parte dos dias, tão ou mais circunspecta que o esculápio. Aliás, este último, por orientação da neta, foi por várias vezes visitá-la no intuito de saber e cuidar do estado da velha. Não constatou nenhum mal físico e a abuela pouco falou sobre o que realmente a afligia. E o tempo foi passando...
                   Blanca, a neta, contava por essa época, dezessete viçosos e cândidos anos. Uma pele fresca e acetinada, e cabelos negros encaracolados. Rosto e corpo em perfeita harmonia de formas e ângulos... Imagine tudo isso materializado em graça e um toque de ingenuidade silvestre, e você tem Blanca. Uma criança-mulher que encantava a todos. Casta e inspirando proteção, adorava a natureza e a liberdade de adolescente, cheia de sonhos bonitos e coloridos.
                   Numa atmosfera de bons costumes, a presença da virgem era admirada, mas com respeito. Respeito esse já inspirado pela avó desde seus tempos de moça. Criava a garota com zelo e dedicação. Em troca, Blanca era toda movida por um único objetivo: não dar motivos nem margem para qualquer tipo de mágoa que pudesse atingir o coração da abuela.
                   Pintado esse quadro, imagine o leitor as tintas e as personagens que lhe dão vida. Talvez eu me esqueça de algum detalhe da história, mas nada que lhe tire a compreensão... Mesmo porque é algo simples e que se passou de forma muito rápida.

(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi)

domingo, 24 de julho de 2011

IMAGENS FATAIS (Parte final)

         Noêmia e Sara conversavam, na casa desta última.
-         Eu acho que os dois andam trabalhando demais – observava a namorada de Armando, nervosa.
-         Eu também. Mas é dar muita moral pra eles ficar cobrando que a gente precisa passar mais tempo juntos. Queria te fazer uma proposta...
-         Acho que já posso adivinhar: sairmos nós duas juntas?
-         Melhor: vamos descer pra praia sozinhas no feriado. Que tal? – havia um tom de vingança na voz de Sara.
-         Ótimo! Nós podemos ficar com a turma do Rogério, aquele meu primo. Menina, ele tem um apartamento...
-         Certo, então está resolvido. Enquanto os “bonecos” trabalham, a gente se diverte.
-         É isso! – Noêmia sorria, contente.

*         *         *

                   Célio refletia muito, depois que o sócio deixou sua casa. “Desistir, adiar o serviço... Ele deve estar com muito medo, mesmo. Onde já se viu? Se deixar amedrontar por causa da visita desse investigadorzinho de um figa! Armando precisa se cuidar, se não vai acabar botando tudo a perder.”
                   Seu olhar parado tinha um brilho estranho. Misto de morbidez e revolta. Revolta por ter, no fundo do seu emocional, resquícios de um passado sofrido, triste e cheio de desamparos. Na verdade, ainda lhe doía relembrar o acidente que matara os pais. “Vai ser nossa segunda lua-de-mel” – diziam eles, antes da partida. Na estrada, uma curva, capotagem, explosão, cinzas. Tudo registrado coincidentemente por um cinegrafista amador que passava por lá no momento. Aquilo ainda falava alto nas reentrâncias de sua memória. E a sua revolta fazia um coro contínuo de vingança. Cada vez mais alto, cada vez mais perturbador... Vingança, vingança, era o que mais lhe dava prazer. O dinheiro era uma consequência. Só pensava em continuar sua desforra. Queria se vingar sempre, do destino, da fatalidade, talvez até de Deus... De tudo e de todos. Sempre. “Vingança!”
                   O telefone outra vez:
-         Alô!?
-         ...!
-         Oi, meu amor. Não atrapalha nada. Aliás, eu e o Armando já terminamos nosso papo.
-         ...?
-         Claro. Te vejo às oito, ‘tá bom?
-         ...!
-         Outro enorme pra você. Até a noite.

*         *         *

                   Já no apartamento de Rogério, as duas moças se preparavam para curtir o fim de semana prolongado. Aquele sete de setembro, numa terça-feira, vinha mesmo a calhar. Os namorados, como de outras vezes, diziam ter que trabalhar.
-         Vão se encontrar com a gente na terça. Foi a última coisa que Célio me disse – comentou Sara, ajeitando o biquíni.
-         Menos mal. Enquanto isso a gente aproveita pra conhecer a ilha do pai da namorada do Rogério.
-         Uau! Uma ilha?... E quem vai levar a turma toda pra lá?
-         Por acaso o Rogério emprestou uma lancha de um amigo. Vai ser perfeito...
-         Também acho. Vamos nessa que estou doida pra tomar um sol.
O dia estava esplendoroso. Céu azul, poucas nuvens e muito sol. Num hotel, na ponta da praia, Célio e Armando relembravam os planos.
-         Você vai hoje mesmo instalar as micro-cargas nas pedras lá daquela ilha – e apontava da janela, com o binóculo na mão.
-         Por que lá? – questionou o químico.
-         Porque com certeza alguns barcos e lanchas vão contorná-la ou procurar aportar para uma visita. A explosão vai parecer um choque com os rochedos e ninguém vai suspeitar de nada, pode crer!
Meia-noite e o jetsky de Armando cruzou devagar o espaço que separava a ilha da baía. Levava uma mochila com o equipamento e procurou instalar os explosivos com o maior cuidado. Olhou a sua volta, em todas as direções e executou rapidamente a sua parte do trabalho. Deslizou de volta para a praia, refletindo que definitivamente não iria mais participar daquelas coisas. Quantos pesadelos ainda iria ter, imaginando as vítimas que causara? Ultimamente, Célio vinha praticamente obrigando-o a continuar a tomar parte nos seus planos. Ele se sentia culpado, mas não o bastante para conseguir contrariar o amigo. Desde os tempos de colégio era assim. Célio arquitetava as manobras contra a turma e queria Armando do seu lado. Um sentimento misturado de admiração e temor convencia-o a seguir o colega.
Quando chegou ao hotel, o cinegrafista já dormia. Tinha um sono agitado, cheio de tremores. Parecia ter constantes pesadelos. Armando não entendia por que ele era tão obstinado em provocar aquelas mortes. Não podia ser só pelo dinheiro. Mas já estava determinado a participar pela última vez nos negócios. Diria isso ao rapaz na manhã seguinte. Demorou a pegar no sono...

                            *         *        *

-         ‘Tá legal, sócio. Fique na sua... Pode curtir uma praia que eu cuido do resto – falou Célio, momentos antes de partir para um lugar estratégico no seu jetsky.
-         Nunca mais, hein! É a última vez, cara – gritou, enquanto o outro se afastava.
O químico voltou ao quarto do hotel e, da janela através da qual se podia ver as pequenas ilhas, ficou observando pelo binóculo o movimento dos barcos. Havia uma lancha bastante luxuosa saindo da baía. Uma bandeira vermelha com um símbolo preto tremulava no auto da cabine de comando. A proa indicava que a embarcação ia na direção da ilha onde ele instalara os explosivos.
Deixou de lado o binóculo e usou o telefone para tentar falar com Noêmia. Alguém no apartamento lhe disse que ela tinha ido passear de lancha, até uma ilha. Um rasgo de intuição fez com ele pedisse mais detalhes sobre a embarcação. A voz do outro lado falou em proa alta, bandeira vermelha com símbolo preto, e o nome: Netuno, pintado bem grande no casco. Nem se lembrou dos celulares. Largou tudo e saiu correndo para o elevador do hotel. Chegou sem fôlego à garagem dos jetskies. Só pensava numa coisa: não podia deixar o barco explodir. A moça corria perigo por sua causa. Tinha que chegar antes nas pedras da ilha para desativar os micro-explosivos.
Célio pôde registrar, de onde estava, quando a explosão mandou lancha, jetsky, pedras, tudo para o ar. Grandes labaredas de fogo coroavam o espetáculo, enquanto ele terminava a filmagem. Uma expressão de profundo contentamento dominava seu rosto, durante a volta para o hotel. Desta vez, sem suspeitar sobre os frutos amargos colhidos por sua vingança.

(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi)

"O direito à literatura"(fragmento)

Apresentamos, de forma objetiva, a visão de Antônio Cândido, grande historiador, analista e professor de Literatura: (...) "Chamarei de...