domingo, 27 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena oitava)

CENA 8:- Rapaz pedindo informações a um guarda, na rua:

Felipe:- Por favor, seu guarda, onde posso encontrar uma livraria aqui perto?
Santos, o guarda:- Livraria?! (quase rindo) Você não é daqui não, garoto?!
Felipe:- Não...Vim visitar uns parentes e resolvi sair pra comprar uns livros.
Santos:- Livros? Sei... Que tipo de livros?
Felipe:- Romances de aventura, de ficção científica, de ação. Por quê? Qual é o problema? Essa cidade não tem livrarias?
Santos:- Tinha... Faz muito tempo que ninguém, ou quase ninguém se interessa por esse hábito, quero dizer, vício...
Felipe (admiradíssimo):- Como é que é?! Vocês não lêem mais, não tem acesso a romances, a literatura em geral?!
Santos (complacente):- É, filho. Aqui não se pode mais estimular essa questão... É que tivemos problemas com muitos viciados, alguns se tornaram crônicos... Agora, quando se encontra algum local de venda de livros, o lugar é fechado e o material apreendido!
Felipe:- Nossa... E as pessoas não se revoltam não? Não fazem leituras às escondidas?
Santos:- Ih! ‘Tá perguntando demais...Parece até que você ‘tá querendo descobrir se consegue esses tais romances no mercado paralelo...
Felipe:- Quer saber: é uma boa idéia... Vou procurar por aí.
Santos:- Se fosse você, teria cuidado. Ontem mesmo as autoridades estouraram um depósito desses, que funcionava clandestino, aqui perto. E as pessoas que estavam negociando no local, foram consideradas viciadas crônicas...
Felipe (encerrando a conversa):- Pode deixar. E o senhor? Nunca leu não?... Pois devia! (E sai, enquanto o guarda apalpa um pequeno volume no bolso da calça.)

(In Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena sétima)

CENA 7: Duas amigas se encontram , depois de muitos anos:

Júlia (após beijarem-se, entusiasmada):- Como vai?! Há quanto tempo...
Sara (alegre, mas reticente):- Bem...Nossa, acho que já vão três anos ou mais...
Júlia:- É verdade. E aí? Casou? Tem filhos? Me lembro do namoro com seu colega de faculdade do último ano.
Sara:- Não. Terminamos... (expressão meio triste) Ou melhor, ele me deixou.
Júlia: Sério? Que chato... Comigo também aconteceu: meu marido arrumou outra e foi embora...
Sara:- Sinto muito. E por que ele te deixou? Algum problema no casamento?
Júlia:- Na relação propriamente dita, nunca houve nada... É que ele me pegou várias vezes... Lendo romances...
Sara:- Não brinca?! Pois saiba que o Miguel me deixou pelo mesmo motivo...
Júlia:- Pois é... Meu ex-marido armou a maior discussão, dizendo que eu já estava crônica...Falou um monte... Depois disse que não podia confiar numa pessoa que consumia Garcia Márquez e Jorge Luis Borges às escondidas. Que eu já era bem madura pra saber que precisava de ajuda...
Sara (espantada e solidária):- O meu ex-namorado já foi um tanto contraditório: disse que eu ia acabar me tornando crônica quando achou um exemplar do Dostoiévsky entre minhas apostilas do curso. Achei que ele fosse compreender, pois fiquei sabendo que estava lendo “O Pequeno Príncipe” novamente...
Júlia:- É, é uma hipocrisia só... Todo mundo que tem interesse e curte alguma história dessas, se acha viciado moderado. Ninguém quer se conscientizar e só sabem criticar as pessoas que acham que estão em estado crônico...
Sara:- Quer saber? Não vamos ligar pra isso, não... Falemos de leitura e essa delícia de hábito, quer dizer, vício.  (e saem, conversando, sorridentes)

(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

domingo, 6 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena sexta)

CENA 6:- Candidato e gerente de recursos humanos numa entrevista:

Sr. Mattos, o gerente (sempre sério e desconfiado):- Já vi pela sua ficha que o senhor teve problemas e ficou sem trabalhar durante um bom tempo...
Sérgio, o candidato (num tom humilde, porém firme):- Sim, problemas de ordem emocional... Mas já passei por terapias alternativas e de apoio, fique tranqüilo.
Sr. Mattos:- Sim, pelo que pude ler sobre seus dados, o senhor tem uma boa formação, graduado, trabalhou em lugares importantes, mas foi demitido por várias vezes... Gostaria de saber se essas demissões foram influenciadas pelo seu... Pelo que chama de problema emocional...
Sérgio (cauteloso, mas insistente):- Mais ou menos. É que meus patrões eram muito incompreensivos e não souberam como tratar certas questões...
Sr. Mattos (sempre desconfiado):- O senhor desenvolveu hábitos que não estavam de acordo com as políticas das empresas, não é isso?
Sérgio:- Digamos que sim...
Sr. Mattos (desafiador):- E como posso confiar que esses “comportamentos” não vão se repetir aqui, na nossa empresa?!
Sérgio (voz beirando a súplica):- É, parece que por causa de hábitos anteriores, o senhor quer me tirar qualquer esperança de trabalho...
Sr. Mattos:- Calma. Acho que não é hoje que vamos chegar a uma resposta definitiva sobre suas pretensões...
Sérgio:- O que tem de mal em gostar de literatura brasileira?!
Sr. Mattos:- Nem sei responder essa questão. Mas tem um grande empecilho aqui, naquilo que o senhor tanto quer... O senhor é...digamos...culto demais, entende?
(O gerente se vira e sai, deixando Sérgio com cara de desalento).


(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

"O direito à literatura"(fragmento)

Apresentamos, de forma objetiva, a visão de Antônio Cândido, grande historiador, analista e professor de Literatura: (...) "Chamarei de...