terça-feira, 15 de novembro de 2011

OS VICIADOS (Cena sétima)

CENA 7: Duas amigas se encontram , depois de muitos anos:

Júlia (após beijarem-se, entusiasmada):- Como vai?! Há quanto tempo...
Sara (alegre, mas reticente):- Bem...Nossa, acho que já vão três anos ou mais...
Júlia:- É verdade. E aí? Casou? Tem filhos? Me lembro do namoro com seu colega de faculdade do último ano.
Sara:- Não. Terminamos... (expressão meio triste) Ou melhor, ele me deixou.
Júlia: Sério? Que chato... Comigo também aconteceu: meu marido arrumou outra e foi embora...
Sara:- Sinto muito. E por que ele te deixou? Algum problema no casamento?
Júlia:- Na relação propriamente dita, nunca houve nada... É que ele me pegou várias vezes... Lendo romances...
Sara:- Não brinca?! Pois saiba que o Miguel me deixou pelo mesmo motivo...
Júlia:- Pois é... Meu ex-marido armou a maior discussão, dizendo que eu já estava crônica...Falou um monte... Depois disse que não podia confiar numa pessoa que consumia Garcia Márquez e Jorge Luis Borges às escondidas. Que eu já era bem madura pra saber que precisava de ajuda...
Sara (espantada e solidária):- O meu ex-namorado já foi um tanto contraditório: disse que eu ia acabar me tornando crônica quando achou um exemplar do Dostoiévsky entre minhas apostilas do curso. Achei que ele fosse compreender, pois fiquei sabendo que estava lendo “O Pequeno Príncipe” novamente...
Júlia:- É, é uma hipocrisia só... Todo mundo que tem interesse e curte alguma história dessas, se acha viciado moderado. Ninguém quer se conscientizar e só sabem criticar as pessoas que acham que estão em estado crônico...
Sara:- Quer saber? Não vamos ligar pra isso, não... Falemos de leitura e essa delícia de hábito, quer dizer, vício.  (e saem, conversando, sorridentes)

(In: Os Viciados, dramédia em quadros cotidianos, de César Pavezzi.)

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