domingo, 31 de julho de 2011

A ÚLTIMA DONZELA (Parte 1)

                    Vou contar uma pequena história, passada num pequeno lugar. Era um vilarejo, que mais podia ser visto como uma aldeia. É, uma aldeia é mais apropriado. Poucas casas, pouca gente. Um povo humilde, plantando e trabalhando a terra para sobreviver. E se ajudando, pois não era muito fácil viver sem amigos naquele lugar.
                   A casa do alcaide era a própria prefeitura. E tinha o alcaide, velho justo e cheio de mesuras para com o povo. Um cavalheiro, ainda que se vestisse como um grosseiro lavrador.
                   E havia o ermitão, um sábio que vivia no bangalô mais antigo do vilarejo. De quem as más línguas do lugar falavam que a sapiência não passava de esperteza dele para ludibriar a gente humilde que o procurava. Ninguém conseguia afirmar ao certo qual a sua idade, mas sabiam que era um espírito lúcido. E muito forte. Era uma espécie de conselheiro moral.
                   O esculápio, homem magro e de maneiras circunspectas, demonstrava muita dedicação para com os doentes, que não eram muitos, mas, como dizia ele, antes poucos enfermos que muitos falecidos. Um indivíduo solitário, embora bastante considerado pelas pessoas da aldeia.
                   O boticário, dono da botica, fazia parte desse grupo de figuras singulares que lá residiam. Homem forte, ao contrário do esculápio, vivia rodeado de amigos, aos quais muito havia ajudado com a manipulação de fórmulas curativas, ungüentos e emplastros quase miraculosos.
                   Outra figura masculina, o professor, como ficou conhecido, chegou naquela aldeia muito tempo depois que a neta da matriarca mais velha havia nascido. Vestia-se esportivamente, com roupas de cores vivas e um boné onde se lia, bordada em azul, a palavra mestre. Quando entrou pela única viela do lugar, foi logo recebido pelo boticário, que  se apressou em levá-lo à presença do alcaide. Embora espantados com o modo de trajar-se do mestre, estavam de acordo que a passagem do homem pela aldeia traria novos conhecimentos e mais sapiência para aquela gente simples. E o professor foi ficando.
                  A matriarca, chamada abuela por todos do local, mudou completamente de estado de espírito, depois que aquele homem a conheceu. Uma pessoa muito alegre e ativa, era como a consideravam. E que, de repente, passou a viver, durante a maior parte dos dias, tão ou mais circunspecta que o esculápio. Aliás, este último, por orientação da neta, foi por várias vezes visitá-la no intuito de saber e cuidar do estado da velha. Não constatou nenhum mal físico e a abuela pouco falou sobre o que realmente a afligia. E o tempo foi passando...
                   Blanca, a neta, contava por essa época, dezessete viçosos e cândidos anos. Uma pele fresca e acetinada, e cabelos negros encaracolados. Rosto e corpo em perfeita harmonia de formas e ângulos... Imagine tudo isso materializado em graça e um toque de ingenuidade silvestre, e você tem Blanca. Uma criança-mulher que encantava a todos. Casta e inspirando proteção, adorava a natureza e a liberdade de adolescente, cheia de sonhos bonitos e coloridos.
                   Numa atmosfera de bons costumes, a presença da virgem era admirada, mas com respeito. Respeito esse já inspirado pela avó desde seus tempos de moça. Criava a garota com zelo e dedicação. Em troca, Blanca era toda movida por um único objetivo: não dar motivos nem margem para qualquer tipo de mágoa que pudesse atingir o coração da abuela.
                   Pintado esse quadro, imagine o leitor as tintas e as personagens que lhe dão vida. Talvez eu me esqueça de algum detalhe da história, mas nada que lhe tire a compreensão... Mesmo porque é algo simples e que se passou de forma muito rápida.

(In: Pérolas de Amador, de César Pavezzi)

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