sábado, 11 de junho de 2011

DEDOS DAS MÃOS (Parte 2)

Fui voltando aos poucos à realidade. Minha cabeça pesava, depois daquele sono forçado. Quando abri completamente os olhos, percebi que estava recostado numa poltrona confortável. Não conhecia aquela sala e o ambiente era pouco iluminado. Ouvi passos no corredor, lá fora. Parecia que alguém chegava para me interrogar. Um homem alto, moreno, de óculos escuros e barba, entrou, acompanhado dos dois sujeitos que andavam me vigiando. Nenhum dos três mostrava, mas eu sabia que estavam armados. E claro que eu estava amedrontado. O de óculos ficou me analisando detidamente por alguns minutos, sem falar nada. Eu não podia ver seu rosto completamente por causa da falta de claridade. Minha cabeça era um redemoinho de interrogações e pânico. O que iriam fazer comigo? Quem era aquele homem que, na certa, chefiava o bando? Seria sequestro ou havia implicações políticas? A perspectiva de tortura me deixava revoltado... Então um cidadão como eu, que trabalhava honestamente, pai de família sério e dedicado, tinha que passar por tudo aquilo, meu Deus?! Deus, aliás, não podia ter nada a ver com aquilo... Era coisa de homens, políticos, rebeldes, inconsequências do poder.
-         Ora, ora, se não é o meu maninho. Quem diria que a gente ia precisar se encontrar nestas condições, não é? – o homem tirou os óculos e se aproximou do quebra-luz ligado, ao lado da poltrona.
Aquela voz, a cicatriz no nariz, só podiam ser dele. Absurdamente, minhas suspeitas se materializavam ali, na minha frente. Minha surpresa naquele instante me levou a sentir que eu estava amarrado à poltrona.
-         Jandir. É, eu devia saber. Que é que você quer de mim? – tentei parecer forte.
-         Calma. Vamos conversar um pouquinho... Não quer conhecer a história da nossa causa primeiro? Você precisa se politizar, “maninho”...
-         Seja lá qual for, não me interessa. Só quero sair daqui e cuidar da minha vida. Não vou me envolver com suas ideologias. Faça um favor a você mesmo e me solte!
-         Muito apressado – o tom era sarcástico. – Por mim, você nem estaria aqui, mas tenho que servir a nossa causa: meu grupo precisa de certas informações e achou que seria mais fácil obtê-las se a coisa ficasse “em família”, compreende?
-         Você não sabe o significado desta palavra. Não devia nem pronunciá-la. E quer saber: não tenho informações de espécie alguma pra passar a vocês – eu o encarava com firmeza.
-         Tem, ah, tem sim. E o tempo de dizê-las esgota amanhã, ao meio-dia. Você vai ter a noite toda pra refletir. Pense em Verena, nas crianças, por exemplo. Uma família tão “linda” a sua...
-         Você não ousaria tocar neles, seu porco! Ou eu...
-         Boca fechada, “doutor” Caio! As exigências quem faz somos nós. Amanhã mesmo a gente vai invadir alguns prédios da região... E no próximo sábado, estaremos prontos para a “sua”... Fundação. Eu garanto. Até amanhã – ele sorriu ironicamente e saiu.
Um dos homens chegou a erguer o braço para me bater, mas o outro o segurou. Saíram, e ouvi trancarem a porta pelo lado de fora. Um temor profundo tomou conta da minha mente quando comecei a pensar no que poderiam fazer a minha família. Meu irmão estava obcecado pela guerrilha. Nunca imaginei que pudesse liderar uma operação daquelas. Verena tinha razão: ele tinha estado no noticiário por diversas ocasiões. Eu tinha que arranjar um modo de dissuadi-lo do que pretendia fazer. Pelo menos, deixar a mim e a Verena em paz.

(In: Pérolas de Amador - César Pavezzi)

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