sábado, 24 de fevereiro de 2018

Crônicas de um lugar esquecido...

Estação onde a esperança não chega

E tinha o menino, tímido, retraído, porém com uma ansiedade desvelada, sempre presente no modo lacônico como se comunicava. Cresceu ajudado por pessoas do lugar, de favores, comiseradas que eram por sua situação de abandonado. Pai não tinha, e mãe havia sumido misteriosamente numa noite em que, numa crise de identidade, largara tudo e se mandou do lugar sem ser percebida. Nessa época, o menino tinha três anos... Havia tanto sossego e silêncio naquela casa que só foram perceber que o pequeno tinha ficado sozinho uma semana depois do fato. Como ele sobreviveu, ninguém sabe, talvez por puro milagre (se é que milagres existem nessa terra...).
Depois da casa do senhorio que o descobriu, por conta de cobrar o aluguel, o garoto passou por um revezamento de lares, já que era estranho ter que se responsabilizar por um filho sem pais. E com o auxílio, umas vezes improvisado, outras vezes negado, o tempo foi passando rápido, e vamos encontrá-lo agora com dez anos de idade. Com a saúde emocional fragilizada, sua vida sofrida foi um pouquinho iluminada por algo bom, ao qual ele se agarrou com todas as forças, como um ideal.
Havia uma velha senhora no vilarejo que fazia as vezes de professora. Comovida com as condições pouco ou quase nada adequadas do menino, resolveu acolhê-lo entre seus pequenos alunos, para que aprendesse minimamente a ler e a contar. Problemas existenciais a parte, ele se revelou um ótimo aprendiz, compreendendo rapidamente os conhecimentos básicos transmitidos pela mulher.
Seus olhos brilharam e seu coração bateu mais forte quando, certo dia, deparou-se com um antigo e desbotado livro de histórias, que mostravam meios de transporte modernos, em que havia uma grande e bem desenhada ilustração de um trem. Um trem, a todo vapor, cortando o vale, com sua locomotiva e seus vagões imponentes, quase chegando a um vilarejo também desenhado na paisagem do livro.
A partir daí começou a sua insistente e ansiosa esperança a carregá-lo, todos os dias, para a saída da cidade, pois tinha ouvido boatos de que, desde há muitos anos, muitos esperavam que aquela possibilidade de progresso, poderia por fim ao isolamento perene do vilarejo. Seu coraçãozinho de menino passou a sonhar com a estação construída e, mais intensamente, com a chegada da máquina potente e veloz, trazendo outras pessoas e levando os viajantes para outras terras. No fundo, mesmo sendo um ilusão tudo aquilo, seu compromisso com o lugarzinho onde se sentava e esperava, todos os finais de tarde, era motivado por aquela esperança, costurada nas camadas mais profundas do seu subconsciente, de que a mãe voltaria para o vilarejo. Ele antevia a mesma acenando da janela do trem, descendo para a plataforma da estação e correndo, emocionada, na direção do seu abraço. Ninguém que o conhecia tinha coragem de tirar isso do menino, e nós sabemos porquê.

César Pavezzi

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